A educação científica para o século XXI

17 de abril de 2024

Em 1985, o físico norte-americano e prêmio Nobel Richard Feynman publicou seu icônico e divertido livro “Surely You’re Joking, Mr. Feynman!” em que discute diversas mazelas da ciência. O cientista teve a experiência de morar vários meses no Brasil e conhecer os estudantes dos melhores centros de pesquisa e universidades brasileiras. Tragicamente, em um certo capítulo, ele apresentou suas impressões sobre as habilidades do pensamento científico da maioria dos estudantes que teve contato (link para este capítulo aqui). Um breve trecho

“Descobri um fenômeno muito estranho: eu poderia fazer uma pergunta, que os alunos responderiam imediatamente. Mas da próxima vez que eu fizesse a pergunta – o mesmo assunto, e a mesma pergunta, pelo que eu sabia – eles não conseguiriam. […] Depois de muita investigação, finalmente descobri que os alunos tinham memorizado tudo, mas não sabiam o que significava nada.” (Feynman, 1985)

Outros cientistas de renome e que se envolvem em projetos de educação científica argumentam que há dois aspectos fundamentais na aprendizagem das Ciências Naturais: o conhecimento científico e o pensamento científico. O conhecimento científico se refere ao entendimento que temos, como sociedade, da organização e fenômenos da natureza como o sistema solar, as leis do movimento, o átomo, a estrutura da célula, etc. Já o pensamento científico está relacionado à forma de raciocínio pelo qual a ciência pode nos trazer o conhecimento sobre a natureza, isto é, o método científico.

É importante lembrar que o conhecimento científico não é estático. Na realidade, ele se refere à melhor explicação que temos até o momento sobre determinado fenômeno. E com a contínua aplicação do método científico ao longo dos séculos, este conhecimento está sempre em transformação. Considere o exemplo ilustrativo da estrutura da matéria. O filósofo pré-socrático Empédocles de Agrigento atribuiu a origem das coisas como a combinação de quatro elementos: terra, fogo, água e ar. Muitos séculos depois, em 1808, Dalton sugeriu que os átomos eram como esferas rígidas e indivisíveis. Vários modelos atômicos foram sugeridos posteriormente por Thompson, Rutherford, Schrödinger, etc. Provavelmente, o modelo que você estudou quando estava no Ensino Médio (o antigo colegial) já está completamente ultrapassado. Mas fique tranquilo(a). Não foi uma perda de tempo.

Note que no modelo escolar tradicional valoriza-se a memorização dos inúmeros conhecimentos científicos. O conhecimento está nos livros e o professor auxilia na “transmissão” e assimilação dos mesmos, como um “upload” para o cérebro. Nas provas avaliativas, pergunta-se “Em geral, o número de pétalas ímpar é uma característica de uma planta monocotiledônea ou dicotiledônea?”. E o aluno deve fazer o “download” do cérebro para o papel corretamente. Note que esta informação pode facilmente ser respondida por qualquer ferramenta de IA. Por outro lado, o pensamento científico é frequentemente negligenciado. 

Quais habilidades serão importantes para nossas crianças quando profissionais no século XXI?

É importante ressaltar que o pensamento científico não ocorre no vazio. Para que haja geração de hipóteses, idealização de um experimento e interpretação de seus resultados necessitamos do conhecimento científico. Ou seja, ambos são importantes e necessários. Devemos incentivar as crianças a fazer perguntas, mesmo que não tenham respostas. A formulação da pergunta e o engajamento em uma discussão mobilizam os saberes e a criação de esquemas mentais. A escola possui uma responsabilidade fundamental no desenvolvimento destas habilidades. Várias atividades podem ser realizadas para trabalhar estes aspectos, principalmente a aprendizagem por descoberta e vivencial.

Eric Kandel, prêmio Nobel em 2000, comenta que ao voltar da escola quando criança, seus pais não perguntavam se ele havia sido elogiado pelo professor. Seus pais perguntavam se ele havia feito alguma boa pergunta durante a aula. E como promover estes dois aspectos de forma integrada no ambiente familiar? Incentive e aproveite a pergunta mais adorada pelas crianças: Por quê?

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